04 outubro 2011

O Palio, a maior festa de Siena


Chegamos em Siena quatro dias antes do Palio, o que nos permitiu assistir a todos os eventos preliminares. Uma experiência extraordinária que vou partilhar com vocês, contando um pouco da história desta festa que nos remete ao século 13 e que envolve o coração de cada um dos sienenses.


Na Idade Média, Siena foi um dos centros mais florescentes da Itália. Expoente militar, berço de gênios da arte e grande, sobretudo, pelo espírito católico. Hoje, a cidade preservada dentro de suas muralhas, não é senão, um retrato dos dias gloriosos daquela época.

No coração do centro histórico da cidade, encontra-se a Piazza del Campo que reina soberana, como uma das mais belas praças do país, aos pés da Torre del Mangia, de onde se tem uma linda vista de toda a região. A Piazza del Campo é semi-circular, apresenta uma ligeira inclinação na direção do Palazzo Publico e é rodeada por edifícios antigos. No post sobre Siena, você terá o detalhamento de todos esses pontos.


Piazza del Campo, Torre del Mangia e Palazzo Publico

Atrás das enormes paredes de pedras das casas que seguem margeando as sinuosas e estreitas ruas que conduzem à Piazza del Campo, a cidade guarda o que tem de atual, de moderno e revela apenas as características da sociedade medieval, da qual foi um glorioso expoente e é hoje, é um fiel testemunho.



Duas vezes por ano, contudo, os sienenses voltam a esse passado, seus habitantes retomam os trajes antigos, as antigas rivalidades entre as "contradas" ou bairros reafloram e corporações ressurgem desfilando pelas ladeiras e ruelas. Estou falando do Palio ou Il Pallio, como é conhecido.

Desfile das contradas pelas ruas de Siena


O Palio não é um evento organizado para turista, é a própria vida dos sienenses e estar presente numa festa como esta foi uma das maiores emoções que já vivi. Por mais que tenha lido sobre o Palio, o que acontece em Siena é um espetáculo que, na minha opinião, se compara ao nosso carnaval. É preciso participar para entender!


As mulheres veem atrás dos homens nos cortejos pela cidade.

Siena, Patrimônio da Humanidade, transforma-se nos dias 2 de julho e 16 de agosto para sediar a mais perigosa e emocionante corrida de cavalos do mundo, e hoje, uma das festas folclóricas mais importantes da Itália. O Palio ocorre desde o século 13 e reflete uma das mais antigas rivalidades do mundo.

Por ocasião da corrida, é demarcada uma larga pista entre os edifícios e o centro da praça - pista muito perigosa, devido a duas curvas quase em ângulo reto e a inclinação da praça, exigindo grande perícia dos jóqueis, que montam sem sela.


Os jóqueis montam em pêlo e é comum os cavalos terminarem a prova sem  seus cavaleiros.


Não se trata apenas de uma festa esportiva e guerreira, mas sobretudo, de uma festa religiosa. Entretanto, desde os primórdios, o cunho político está fortemente presente no Palio. A primeira corrida se realiza no dia 2 de julho, em honra da Madona di Provenzano, e a segunda, no dia 16 de agosto, em louvor a Nossa Senhora da Assunção.


Esta especial devoção à Mãe de Deus, a Quem elegeram como Padroeira, tem origem muito antiga. Na época do apogeu militar, ao partirem para guerra, os sienenses ofereciam à Nossa Senhora as chaves das nove portas de Siena, pedindo sua proteção no combate. Em agradecimento pelas vitórias alcançadas, erguiam-lhe capelas e oratórios.


Na véspera da batalha de Monteaperti, entre Siena e Florença, dedicaram a cidade à Nossa Senhora da Assunção e a Ela, consagraram a Catedral.


Em uma época em que todas as atividades eram norteadas pelos dogmas do Catolicismo, era natural que as próprias comemorações guerreiras tivessem uma nota profundamente religiosa. Assim, os jogos com que Ferrara celebra a festa de São Jorge, Bolonha, as de São Pedro e São Bartolomeu, e Florença, a de São João Batista, em Siena - "cidade da Virgem", como era chamada - a principal festa foi durante muito tempo em honra da "Madonna dell'Assunta".


No final do século 16, uma terrível fome assolou a região e o povo, mais uma vez, recorreu a sua Protetora. Como não puderam entrar na catedral para oferecer seus votos, pois dentro havia uma disputa terrível entre os cônegos e as portas estavam fechadas, correram então os sienenses à Nossa Senhora de Provenzano, que já operava milagres e cuja imagem ficava entre duas janelas de uma humilde morada na Via dei Provenzani di Sotto. A Virgem atendeu aos rogos que lhe foram dirigidos e afastou o flagelo. Desde então a solenidade de Nossa Senhora de Provenzano, a 2 de julho, tornou-se a principal festa religiosa de Siena. Em 1656, aconteceu o primeiro Palio oficialmente ligado a celebração do milagre da Madonna di Provenzano. Em 1700 foi instituído um segundo Palio, corrido em 16 de agosto.

Em 1721 foram estabelecidas as regras que controlam severamente as modalidades de execução da competição e que permanecem quase completamente ainda em vigor. 



O único prêmio ao vencedor da corrida é um estandarte, confeccionado e pintado a mão com a imagem da Madonna de Provenzano ou da Assunção, dependendo da corrida. Deste estandarte — em italiano palio — a corrida recebeu o nome com que é conhecida. 


Para cada edição um Palio (estandarte) é pintado a mão, geralmente por um artista local.


É difícil definir quais são os dias do Palio. Para alguns, tudo começa há quatro dias da corrida, ou com o sorteio dos cavalos. Para outros, a magia tem início no dia 1º de dezembro, festa de Santo Ansano, patrono da cidade, que sinaliza o início do ano "contradaiolo".


"A paixão pelo Palio é um traço de união entre pessoas divididas pela rivalidade."


A corrida é apenas o auge dos dias que antecedem a disputa, nos quais se concentram a maioria dos eventos ligados ao Palio. Quatro dias antes, na Praça do Campo, os cavalos são apresentados e são atribuídos, através de sorteio, aos bairros que irão representar. É um mixto de agonia e extasie, pois a sorte das contradas começa a ser lançada, dependendo do cavalo que cada uma recebe. No final da tarde deste mesmo dia, acontece a primeira prova. 


A Piazza completamente tomada de expectadores para acompanhar o sorteio dos cavalos.


Após o sorteio, cada contrada leva seu animal, exibindo-o pelas ruas da cidade.


Na anti-véspera da corrida, acontecem mais duas provas e a procissão dos “ceri”. Na véspera, a tarde, ocorre a última prova, considerada a geral e durante a noite, cada contrada ou bairro realiza um jantar. 


A Piazza lotada para as provas preliminares. Este é um dos locais de acesso à Piazza del Campo.

Ganhador da última corrida que antecede o Palio. 

Após cada corridas, cavalo e capitão saem a frente enquanto os homens seguem atrás cantando o hino da contrada.   

Todos desfilam em direção a sua contrada.


Todos os eventos lotam a praça e a cada corrida a polícia se encarrega de limpar a pista retirando as pessoas, normalmente turistas. E não é um momento agradável, pois eles usam de toda a "delicadeza" italiana. Deve-se chegar cedo (1 a 2 horas antes) para ocupar um lugar no centro da praça, lembrando que esta tem inclinação para o centro o que significa que quanto mais para o centro da praça, menos chance de ver qualquer coisa em volta. 


Finalmente, chega o dia do Palio, quando acontece a prova antecedida pelo cortejo histórico. Bandeiras medievais são hasteadas, ouvem-se trombetas e tambores de guerra, e como que saído por encanto de alguma iluminura, um esplêndido cortejo entra na Piazza del Campo ante os olhos maravilhados dos espectadores.








No desfile que precede a corrida cada contrada procura sobrepujar suas rivais pela beleza dos trajes. Seus representantes — pajens, tambores, porta-bandeiras, capitão, homens de armas, jóquei e treinador — vestem-se com roupas da época medieval nas cores da contrada. 












O complexo mecanismo da corrida chega a sua conclusão com a explosão de um rojão que anuncia a entrada dos cavalos. 


O mecanismo que lança o rojão que anuncia a corrida e as arquibancadas lotadas pelas contradas.


Entrada dos competidores na pista de corrida.

A cada jockey é dado um chicote com o qual ele pode estimular seu cavalo ou prejudicar seus adversários durante a corrida. Em seguida, eles se direcionam para ficar entre as duas cordas que alinham os cavalos para a largada, na medida em que são chamados pelo nome das respectivas contradas. A ordem de entrada é ao acaso, na verdade sendo determinada pelo sorteio. A décima e última contrada chamada, ao contrário, entrará de arrancada quando achar oportuno, determinando o início da corrida. Caso a partida não não seja válida, uma explosão de fogos de artifício anuncia que devem parar os cavalos. 




O Palio é vencido pelo cavalo, com ou sem fantino (jóquei), depois de haver completado três voltas, em torno da praça, em sentido horário. Na "carreira", que dura somente cerca de um minuto e dez segundos, há apenas quem vence e quem perde. Não há segundo colocado, quem vence triunfa, os demais são humilhados. Fazer perder um adversário pode ser mais importante do que a vitória.










A cada Palio correm somente dez contradas. O mecanismo funciona assim, participam as sete contradas que não participaram do Palio correspondente no ano anterior e, um mês antes da corrida, são sorteadas outras três para completar o lote.


As bandeiras das 17 contradas.


O cavalo também é escolhido por meio de sorteio e não pode ser trocado ou substituído. Caso aconteça qualquer problema com o animal, a contrada simplesmente deixa de correr. Todo o resto está nas mãos dos capitães e seus fiéis colaboradores, dos fantinos e do povo que doa cifras inacreditáveis a fim de ter uma esperança. A hostilidade entre as contradas é mais sentida do que as alianças.

As festividades começam logo após a corrida, com a contrada levando o Palio, fazendo o agradecimento à Santa (dependendo da data do Palio), seguindo em cortejo pela cidade e a noite o jantar da vitória que acontece na contrada com a presença do cavalo, o verdadeiro herói. Nesta ocasião o museu da contrada vencedora permanece aberto por toda a madrugada com entrada gratuita.





As Contradas


No seu apogeu, Siena era dividida administrativamente em 23 bairros autônomos, dentro de uma mesma muralha, cada qual com seu governo, suas leis, seus padroeiros, sua igreja e seu pequeno território. Todos se uniam debaixo da autoridade do Magistrado da comuna que governava do Palácio Público. Essa é a origem das contradas, que atualmente são 17. Cada uma mantém há séculos o próprio organismo representativo eleito de forma autônoma e independente. 


A cidade está dividida em três terços, Terzo di Città, Terzo di San Martino e Terzo di Camollìa, os quais estão subdivididos em 17 contradas ou “bairros”.



Terzo di Città (leste)

1 – Nobile Contrada dell'Aquila (águias)
2 – Contrada della Chiocciola (caracol)
3 – Contrada Capitana dell'Onda (peixe)
4 – Contrada della Pantera (leopardo)
5 – Contrada della Selva (rinoceronte)
6 – Contrada della Tartuca (tartaruga)


Terzo di San Martino (norte)

1 – Contrada Priora della Civetta (coruja)
2 – Contrada del Leocorno (unicórnio)
3 – Nobile Contrada del Nicchio (concha)
4 – Contrada di Valdimontone (carneiro)
5 – Contrada della Torre (elefante)


Terzo di Camollìa (oeste)

1 – Nobile Contrada del Bruco (lagarta)
2 – Contrada del Drago (dragão)
3 – Contrada Imperiale della Giraffa (girafa)
4 – Contrada Sovrana dell'Istrice (porco-espinho)
5 – Contrada della Lupa (loba, Romulo e Remo)
6 – Nobile Contrada dell'Oca (ganço)



Representação das contradas por suas bandeiras.

Cada contrada tem uma inimiga. Por exemplo, a Loba é inimiga da Porco-Espinho e a Águia, da Pantera. Como ao todo são 17 e cada uma tem um inimigo, sobra uma contrada: a Onda, que sonha em ser inimiga da Torre, mas é ignorada. Inimiga da Torre, só a Ganso. Além da equipe hostil, as contradas têm suas aliadas, suas amigas e as que são indiferentes. Essas relações são fundamentais para entender como funciona a corrida no dia do Palio, como veremos adiante.


Uma boa ideia do Palio e algumas imagens de Siena podem ser vistas no início do filme 007 Quantum of Solace. Outro filme que lhe dará belas tomadas de Siena é Cartas para Julieta


Sites onde poderá conhecer mais sobre o Palio e as Contradas:
http://palio.comune.siena.it/main.asp?id=0
http://www.ilpalio.org/palioportoghese.htm

Veja também: http://bragaspelomundo.blogspot.com/2011/09/siena.html



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